Perante as vendas em espiral descendente, a Harley-Davidson tem vindo gradualmente e há vários anos, a deslocalizar a produção de alguns modelos da sua gama para o estrangeiro, nomeadamente para o Extremo Oriente. Agora, as tarifas de Trump às importações, vêm pôr mais lenha numa fogueira que poderá queimar gravemente uma das mais míticas marcas de motos do mundo.
Foi muito antes de Trump anunciar a taxação extraordinária do alumínio e do aço provenientes da Europa, que a Harley-Davidson anunciou o encerramento da sua fábrica de Kansas City no Missouri. Com as vendas em queda há vários anos consecutivos, tanto as domésticas como as exportações, as acções em bolsa também se ressentiram de forma substancial, atingindo valores nunca antes vistos.
Por isso, a medida que irá colocar no desemprego 800 trabalhadores, é uma estratégia importante para manter em funcionamento a “Motorcycle Company”.
A fábrica de Kansas City, cujo encerramento está agora no centro da polémica, estava a produzir as V-Rod e os modelos Dyna, todos entretanto descontinuados.
No entanto, Matthew Levatich, CEO da Harley-Davidson, que tem vindo a ser instigado a ponderar a questão do encerramento da unidade de produção da marca, garantiu que as motos vendidas nos Estados Unidos irão continuar a ser montadas exclusivamente em solo americano, mais concretamente nas unidades industriais de Pennsylvania, em York, onde são montadas as motos, e em Menomonee Falls, Wisconsin, onde são montados os motores.
Mas o que é um facto, é que as tarifas alfandegárias introduzidas por Donald Trump, que visam proteger os produtos americanos, como aço (25%) e alumínio (10%), importados da UE e do Canadá, vão só por si encarecer o produto final na América, bem como na Europa, onde ainda há outro argumento de peso que ameaça igualmente e de forma ainda mais séria as vendas das míticas motos americanas:
É que em resposta à medida de Trump, a União Europeia já declarou que vai, por sua vez, impor uma tarifa de cerca de 25% em produtos importados dos EUA. Isto vai encarecer alguns produtos como frutos e refrigerantes, roupas de ganga, manteiga de amendoim, whisky e, claro, as Harley-Davidson!
No caso destas, cerca de 2.000 Euros em média por cada unidade, numa moto que, para um número cada vez maior de consumidores muito envelhecidos, já é vista como sendo demasiado cara e difícil de manobrar.
Como reação, Matthew Levatich disse, em defesa da marca de Milwaukee que “aumentar a componente estrangeira da nossa produção para evitar taxas alfandegárias na UE não é o nosso desejo, mas é a única opção sustentável.”
De facto, a União Europeia é o segundo maior mercado da Harley-Davidson, e com as vendas nos EUA a encolher, a Europa é um mercado que a marca não se pode dar ao luxo de alienar, já que são cerca de 40.000 unidades/ano, que representam 16% do volume total de vendas da empresa, e que ademais até já está habituado a que a produção das motos que conduz seja feita não em casa, mas um pouco por todo o extremo oriente.
Além das diversas instalações na América, onde a marca, uma das mais antigas do mundo, é fabricada desde 1903, há outras unidades produtivas na Austrália, Brasil, India e Tailândia, que são precisamente usadas para contornar a tarifa imposta, um pouco por todo o mundo, ao “made in America” e que além de cimentar as vendas, segundo a própria Harley, poupam aos seus clientes mais de 100 milhões de dólares/ano em impostos.
Assim que este estado de coisas foi conhecido, as ações da “Motorcycle Company” em bolsa baixaram imediatamente mais 6%, demonstrando alguma desconfiança do mercado, exatamente numa altura em que a administração da marca bem poderia precisar de fundos para investir.
Agora, a Administração Trump está a acusar a Harley-Davidson de utilizar as tarifas de importação, como uma desculpa para relocalizar mais da sua produção para o Oriente, para reduzir custos, uma afirmação ecoada também pelos sindicatos dos trabalhadores da marca, que na sua esmagadora maioria apoiam o polémico presidente.
O facto é que o aumento da produção nos EUA, é, no mínimo, improvável, pelo que o efeito disto tudo acabará por ser ainda menos receita fiscal e menos empregos. Claro que produzir muito menos motos resultará também numa redução do consumo de aço e alumínio, causando o efeito oposto ao visado pela medida de tarifar as importações, uma desculpa para, na prática, gerar apenas mais impostos, mas sob o estandarte do #MAGA (Make America Great Again).
Claro que a componente mais grave de tudo isto é o efeito negativo que vai ter na produção americana (bastantes outros fabricantes estão também contra a medida), e consequentemente nos empregos, algo que Trump pretendia proteger em primeiro lugar com a dita tarifação, facto que ilustra bem o perigo que representa para o povo uma administração prepotente e retrógrada, adotar unilateralmente, medidas arbitrárias sem pensar bem nas consequências a longo prazo! Já em 2002, George W. Bush tinha feito um boicote semelhante a produtos estrangeiros, que pouco tempo depois foi obrigado a cancelar.
Para já, o que toda esta polémica tem conseguido é fragilizar ainda mais a imagem da Harley-Davidson nos Estados Unidos, onde a opinião pública, induzida por Trump, é cada vez mais crítica sobre a deslocalização da produção e a consequente perda de empregos, que analisada friamente não deixa de ser apenas uma pequena porcentagem, quando se consideram os milhares de trabalhadores que, directa (cerca de 6.000) ou indirectamente (estima-se pelo menos vinte vezes mais), ganham a sua vida em torno da mítica marca e das suas motos.
A última farpa que Trump atirou foi sob a forma da seguinte declaração que publicou no seu “Twitter”:
"Uma Harley-Davidson nunca deveria ser fabricada noutro país! Nunca! Os seus empregados e clientes estão muito zangados! Se eles deslocalizarem a produção, fiquem atentos, vai ser o princípio do seu fim! Eles renderam-se, desistiram! A aura vai apagar-se e vão ser taxados como nunca antes
In:
http://www.andardemoto.pt/moto-news/38523-harley-vs-trump-uma-novela-economica/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=andar_de_moto_no_28_10_07_2018&utm_term=2018-07-10