Autor Tópico: Afinar a suspensão de uma mota qualquer  (Lida 10472 vezes)

Maio 28, 2019, 02:22:26, 02:22
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pjmartinho

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Nota: Este vai ser um post longo pois, não sendo rocket science é um assunto que é "chato" de se apanhar à primeira. À medida que for tendo disponibilidade complemento o post com umas fotos (ou videos) exemplificativos.

Para começar, é necessário enumerar alguns conceitos básicos sobre o assunto que serão usados ao longo do post:
  • SAG - o quanto a suspensão comprime com o peso que vai em cima da mota. Aqui há que distinguir o SAG Estático do SAG Piloto do SAG Total. O SAG Estático é aquilo que a suspensão comprime só com o peso da mota, enquanto o SAG Piloto é aquilo que a suspensão comprime com o piloto + passageiro + tralhas que vão dentro das top cases (ou malas), enquanto o SAG Total é a soma destas 2 medidas.
  • Mola - Peça elicoidal que pode ter mais, ou menos, espiras sendo que estas podem ter um espaçamento constante (molas lineares) ou variar o espaçamento entre as espiras (molas progressivas).
  • Amortecedor - Tubo que tem óleo, ou gás, lá dentro e que serve para controlar a velocidade com a mola comprime, ou descomprime. No caso de ter óleo (o normal na frente da mota) este deve ser trocado com alguma periodicidade pois, com o tempo e com o uso ele tende a ficar mais viscoso.
  • Distensão do amortecedor (rebound) - É isso mesmo que o nome indica... o esticar do amortecedor quando "falta chão" por baixo da roda.
  • Compressão do amortecedor (bump) - É o isso mesmo que o nome indica... o encolher do amortecedor quando a roda encontra um alto no pavimento.
  • Suspensão - É o nome dado ao conjunto mola + amortecedor.
  • Pré-carga - É a força que se aplica na mola por via da afinação que pode ser feita por uma porca roscada no corpo do amortecedor, ou em degraus ou electrónica.



Na imagem anterior temos diferentes combinações:

Na suspensão da esquerda (mola preta) temos uma mola progressiva montada num amortecedor com ajuste de pré-carga em degraus enquanto na suspensão da direita temos um mola linear com ajuste de pré-carga por porca. Na realidade, neste 2º caso, existem 2 porcas... uma serve de regular a pré-carga e a outra para servir de travão à primeira. No caso de ser uma suspensão electrónica, só temos de carregar nos botões que a electrónica trata de tudo mas, aplicam-se os mesmos principios.

O ajuste em degraus poderá ser menos preciso (dependendo do numero de degraus que existirem) mas é mais fácil memorizar a posição para quando se anda sozinho ou quando se anda com pendura. O ajuste por  porca é muito mais preciso, mas torna-se mais difícil encontrar pontos de referência para regular a pré-carga para quando se anda sozinho ou com pendura.

Há a ideia de que a pré-carga serve para subir (ou baixar) a mota... aumentar, ou diminuir, a pré-carga tem esse efeito mas não é para isso que deve ser usada. A mola do amortecedor, tem a capacidade de amarzenar energia e de liberta-la. Ao comprimir a mola, ela armazena energia que depois vai ter de libertar, distendendo a mola. Ao se aumentar a pré-carga, estamos a "dar" energia à mola (porque a estamos a comprimir) e ela, para libertar essa energia vai descomprimir (tentando ficar na forma original) e é isso que faz subir a mota e, também, pode dar a sensação da suspensão estar mais "dura".

A pré-carga serve unicamente para regular o SAG da mota. Se querem a suspensão mais dura devem trocar a mola por outra com mais espiras ou, com um diâmetro maior nas espiras e, se quiserem mais macia é fazer o inverso... menos espiras ou com menor diâmetro.

Medir o SAG

É necessário começar por medir o SAG Estático. Para isso, deve-se colocar a mota no descanso central e medir a distância desde o eixo da roda até um ponto fixo na mota, por exemplo, na base da pega do passageiro (ou noutro ponto que pode ser uma esquina na carenagem). Obtemos uma medida que chamamos de A.

Coloca-se a mota novamente no chão, e estando ela na vertical, sem ninguém sentado lá em cima, volta-se a medir a distância entre os mesmos 2 pontos onde se mediu anteriormente, e obtemos a medida B.

SAG Estático = A - B

Se a mota não tem descanso central, é necessário a ajuda de alguém para fazer levantar a roda traseira do chão com a mota apoiada no descanso lateral.

Para medir o SAG Piloto, carregar a mota com o peso que habitualmente vai andar lá em cima (piloto equipado + possiveis tralhas que se carreguem na mota) e voltar a medir a distância entre os 2 pontos usados nas duas medições anteriores, e obtemos a medida C.

SAG Piloto = B - C

O SAG Total = A - C

O SAG Estático não é tão importante quanto o SAG Piloto mas deverá existir e a sua medida deve andar perto dos 5mm enquanto o SAG Piloto já varia conforme o peso que vai em cima da mota.

Para uso normal em estrada (bom compromisso entre performance e conforto) a medida do SAG Total medida deve situar-se entre os 35mm e os 45mm. Se for para motas usadas em track days e corridas, esta medida deve andar entre os 30mm e os 35mm e, até pode ter medidas diferentes na frente e na traseira.

Nota: Estes valores não fui eu que os inventei, são os valores que os profissionais da afinação de suspensões indicam como referência porque tem a haver com a posição do êmbolo dentro do amortecedor que deverá estar situado no primeiro 1/3 (visto o amortecedor debaixo para cima). Assim o êmbolo tem 2/3 do curso disponível para a compressão e 1/3 disponível para a distensão (há mais matemática envolvida neste processo, mas vamos manter as coisas de forma simples).

Supondo que se regula o SAG Total para uma medida qualquer entre os 35mm e os 45mm (por adição de pré-carga) e depois se chega à conclusão de que o SAG Estático não existe (o amortecedor não distende quando a roda é levantada do chão) isso significa que a mola é demasiado macia para o peso que lá vai em cima. No outro extremo onde se tem um SAG Estático de cerca de 5mm mas não se consegue chegar a um SAG Total de, pelo menos, 35mm (mesmo que se retire a pré-carga toda) isto significa que a mola é demasiado forte para o peso que vai em cima da mota.

Regular o SAG da mota

Já sabendo como medir o SAG resta agora usar a pré-carga do amortecedor para fazer com que a medida do SAG Total fique dentro destes valores (35 a 45mm). Se a vossa mota permite regular a pré-carga da suspensão dianteira então, este processo tem de ser feito também na frente da mota.

É um trabalho que poderá necessitar da ajuda de outra pessoa, pois o piloto tem de estar quieto em cima da mota enquanto se vai regulando o SAG e fazendo as medições. Para saber como regular a pré-carga do amortecedor de cada mota, nada melhor que usar o método RTFM pois varia de amortecedor para amortecedor.

Esta é a primeira afinação a fazer na suspensão da mota pois permite colocar os êmbolos dos amortecedores numa posição tal que sobra espaço suficiente para comprimirem e descomprimirem sem bater "no fundo" do amortecedor além de colocar o chassis numa posição neutra enquanto outras medidas colocam a chassis em posições mais "relax" (choppers) ou mais "incisivas" (RRs).



« Última modificação: Maio 29, 2019, 23:40:09, 23:40 por pjmartinho »

Maio 28, 2019, 06:44:19, 06:44
Responder #1

Moto2cool

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Sou muito paciente :) óptima iniciativa, parabéns!
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"Viver a vida não é esperar que a tempestade passe, é aprender a andar à chuva"

Maio 29, 2019, 00:32:37, 00:32
Responder #2

pjmartinho

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Distensão do amortecedor (rebound) e Compressão do amortecedor (bump)

Nos amortecedores mais simples, como os das scooters, só podemos ajustar a pré-carga e nada mais. Subindo um pouco a escada dos amortecedores, passamos a ter (além da pré-carga) a capacidade de regular a velocidade de descompressão do amortecedor (rebound)... subindo mais uns degraus, além destas 2 afinações, podemos regular a velocidade de compressão do amortecedor (bump)... e no topo das escadas das suspensões, além destas afinações os amortecedores permitem regular o "fast" e o "slow" bump e rebound... vamos ficar pelas versões menos complicadas e mais habituais nas motas e esquecer o "fast" e "slow" bump e rebound.

Para ser mais fácil entender o funcionamento desta afinação, vamos imaginar uma torneira de água. Quando a torneira está completamente fechada não passa água nenhuma... no extremo oposto, torneira toda aberta, a água passa livremente. Nas posições intermédias a água passa mais, ou menos, livremente conforme a torneira está mais, ou menos aberta.

Esta afinação funciona como uma torneira (que controla o fluido que está dentro do amortecedor) e deixa-o passar mais, ou menos, livremente pelo êmbolo do amortecedor. Na realidade não é fluido que passa pelo êmbolo, mas sim o êmbolo que passa pelo fluido mas, para ser mais percetível o funcionamento vamos imaginar que é o fluido que passa pelo êmbolo.

Assim, a afinação de rebound e de bump regulam a velocidade a que a suspensão distende ou comprime. Se estiverem completamente fora dos parâmetros, estas afinações podem dar a sensação da suspensão estar dura p'ra cacete ou de ser um sofá mas, na realidade elas contribuem bastante no contacto da borracha com o alcatrão e pode fazem a mota ter comportamentos "estranhos" que obrigam um cuidado extra por parte do piloto.

Mais uma vez, o método RTFM deve ser usado para se saber onde fazer este ajuste no amortecedor da nossa mota pois há várias possibilidades. Para a traseira da mota estas são algumas opções:







Já na frente da mota:






Como afinar o rebound?

Depois de comprimida a suspensão, ela distende-se à medida que a mola liberta a energia e, se a "torneira" estiver toda aberta não há nada a atrasar o movimento do êmbolo dentro do fluido e este movimento de distensão é rápido e violento... o resultado é que a mota fica a parecer um iô-iô (é mais notório na frente de mota)... vem acima, baixa um pouco, volta a subir, volta a baixar, etc, etc até que para na sua posição normal. No outro extremo, com a "torneira" toda fechada, a suspensão "demora horas" até chegar à sua posição normal. O que se procura com esta afinação é que a suspensão, faça a descompressão o mais rápidamente possível mas que pare quando chega ao topo do movimento.

Comecemos pela traseira sendo que o mesmo se aplica à frente da mota, caso a suspensão dianteira permita esta afinação.

Com a mota em pé (precisamos da ajuda de alguém para manter a mota em pé sem estar no descanso) faz-se pressão repentina na traseira da mota para comprimir a suspensão e depois larga-se a mota para não interferirmos no movimento de distensão ficando a observar o que acontece quando a mota chega "a cima". Se chegar a cima e não parar o movimento (ficar tipo iô-iô) temos de fechar um pouco a torneira para que o movimento seja mais lento e voltamos repetir o processo até que o iô-iô desapareça, ou seja, ela sobe rápidamente e para no topo do movimento. No caso contrário, em que ela sobe e não fica ali "para cima e para baixo" abre-se um pouco mais a torneira e volta-se a testar... naturalmente vamos chegar a um ponto em que o efeito de iô-iô pode surgir... há que fechar um pouco a torneira.

O fechar, ou abrir, da "torneira" corresponde a rodar para a direita, ou para a esquerda, o afinador respectivo. Dependendo do tipo de afinador, devemos contar o numero de clicks (ou ressaltos) que o mesmo faz ou então, no caso de ser por parafuso, contar o numero de voltas do parafuso.

A velocidade de distensão da suspensão traseira deve ser igual à velocidade de distensão da suspensão dianteira e, caso a mota não tenha esta afinação na frente, devemos ajustar a velocidade da distensão traseira à velocidade de distensão da frente. Para isso, devemos fazer uma pressão repentina (de igual força) na traseira e na frente da mota em simultâneo e observar o comportamento dos dois extremos da mota e ajustar a "torneira" do amortecedor traseiro por forma a que a mota suba toda por igual.

« Última modificação: Maio 30, 2019, 11:09:18, 11:09 por pjmartinho »

Maio 29, 2019, 02:07:42, 02:07
Responder #3

dfelix

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Ou para quiser saltar as descrições detalhadas e pretende atacar a coisa duma forma pragmática...

Pegar nesta imagem já tinha partilhado aqui:



Imprimir, dobrar e guardar na carteira.
Ou no telemóvel sob o risco de ficarem sem bateria!
 :)


BTW,
A tua explicação da medição do SAG e o ajuste da mola é o primeiro passo para qualquer afinação decente.
A partir daí a coisa complica.

Portanto, venha lá novos capítulos!
 :nice:
« Última modificação: Maio 29, 2019, 02:12:54, 02:12 por dfelix »

Junho 15, 2019, 15:18:04, 15:18
Responder #4

pjmartinho

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Estes dois já me pouparam a elaboração de um video  :nice:


Junho 27, 2019, 00:45:04, 00:45
Responder #5

pjmartinho

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Enquanto arranjo, e não arranjo, tempo e uma mota mais leve do que a minha para fazer um video sobre o assunto, deixo aqui uma imagem do desgaste anormal do pneu provocado pela má regulação da suspensão.



Neste caso o rebound (distenção da suspensão) é demasiado rápido.

Se fosse ao contrário, ou seja, os altos estivessem na aresta da "frente" em vez de estarem na aresta de "trás", então significa que o rebound (distenção da suspensão) é demasiado lenta.

Esta imagem seguinte é uma boa cábula para isto