Portadores de deficiência - A condução de um motociclo!
Decorria o ano de 2010 quando pela primeira vez senti que deveria ter a carta de moto categoria A e, mesmo já circulando numa pequena scooter à data, comecei aos poucos a orientar o meu pensamento em obtê-la.
Terei devorado páginas e páginas sobre o que fazer, onde fazer, o que consultar, o que ter em atenção, o que levar, enfim….estava focado e determinado em obter a carta, custasse o que custasse…
Agora que estão passados alguns anos desde que obtive a tão desejada licença de condução de veículos de categoria A, dou por mim a pensar:
“Até não foi assim tão difícil…”Mas sê-lo-á para todos???Ora é neste mesmo ponto que terá de haver uma ramificação para o tema que aqui se trás a debate…
Na verdade, a dificuldade já se sabe que não é sentida por todos de forma igual, mas mais difícil ainda se torna quando se fala de uma pessoa que é portadora de algum tipo de deficiência e que por via disso mesmo, tem o seu grau de limitação na condução.
Nestes casos, a dificuldade em obter a tão desejada carta (até mesmo a licença para condução de motociclos até 125cc) aumenta exponencialmente e acredite-se ou não, começa mesmo antes sequer de se sentarem aos comandos de qualquer veículo…
Para efeitos da avaliação da aptidão física e mental, qualquer candidato a condutor tem de ser submetido a um exame de inspecção médica que, consoante o caso, é feito através de inspecção normal, especial ou de junta médica, variando a mesma de acordo com a categoria ou espécie de veículos a que os examinandos pretendam habilitar-se ou estejam habilitados a conduzir, a sua idade e condições físicas ou mentais.
Em alguns casos, ainda é requerido um exame psicológico, por forma a avaliar se o candidato a condutor possui um determinado comportamento e funcionamento cognitivo, que permita levar a crer que se encontra apto a conduzir…seja na interpretação de sinais, instabilidade ou controlo emocional, capacidade linguística, atenção, inteligência, etc.
Não coloco minimamente em causa e devo mesmo dizer que concordo, que é de facto necessário ter este tipo de exames, que é necessário haver uma certa avaliação prévia, que é imperioso ter o máximo de certezas que forem possíveis em como o candidato a condutor possui de facto o mínimo indispensável para exercer a condução.
Mas…se para qualquer um que não seja portador de deficiências, a obtenção da carta já tem potencial para ser causador de grandes dificuldades, ansiedades e aflições de variada ordem, imagine-se então aquilo por que passará alguém que tenha p. ex. uma deficiência motora como ter dedos de uma mão amputados, ou atrofia muscular, ou problemas visuais graves, ou uma deficiente acuidade auditiva, ou síndromes vertiginosos, lesões ou mesmo deformidades limitativas…
Não é fácil….caros companheiros….para estes homens e mulheres não é mesmo nada fácil!
É certo que para cada um dos casos enumerados e outros não mencionados, haverá um certo grau de tolerância e possibilidade correctiva (próteses, lentes, etc…), que somente através de avaliação médica poderá ser percebida e analisada, ao ponto de ser passado ou não o tão desejado atestado médico.
Imagine-se então o que sentirá alguém que, por via de uma deficiência bastante incapacitante e portanto fora da tal tolerância inicialmente avaliada por um só médico…se veja “forçado” a estar perante uma junta médica.
Será tudo menos fácil…e só mesmo a vontade, o empenho e a determinação desses homens e mulheres lhes permite conseguir passar esta fase inicial e que como já disse, sem ainda sequer terem tido a oportunidade de se sentar em qualquer veículo de uma Escola de Condução.
Se para a condução de veículos de categoria B (automóveis), o mercado oferece algumas soluções de conforto e ajudas à condução, já no caso dos motociclos a conversa é um pouco diferente….e é-o em grande medida graças à concepção e forma de locomoção do próprio veículo, que exigirá em muitos casos alterações estruturais de grande monta e custos demasiado elevados.
No nosso país, tal como em muitos locais do Mundo, existem pessoas portadoras de deficiência que têm um carácter e uma personalidade muito fortes, bem como uma gigantesca força de vontade interior, que lhes tem permitido superar todas estas dificuldades iniciais e até mesmo a de se submeterem a exame, conseguindo a tão desejada aprovação.
Enquanto membros de um clube ou fórum ligado a este sector das 2 rodas, temos necessariamente de olhar também, sobretudo de forma individual, para esta que é uma realidade que deverá merecer da nossa parte todo o respeito pela integridade, dignidade e liberdade das pessoas com deficiência, insurgindo-nos em particular contra toda e qualquer discriminação sem fundamento destes cidadãos e levando à promoção da sua participação na sociedade….neste caso, naquilo que tantos desejam que é a liberdade proporcionada pela condução de um motociclo.
É com particular satisfação que falo deste assunto e o trago a debate, pois será um tema que infelizmente estará arredado senão de todos, pelo menos da esmagadora maioria dos fóruns…
Sei que ao escrever aqui, o faço para pessoas que entendem a necessidade de respeitar e apoiar todos estes companheiros que, naturalmente, têm lugar de igual para igual, numa sociedade motociclista que se preza em aceitar as diferenças e que apoia activamente a participação em numerosas eventos, sem olhar ou apontar as diferenças...
Tópico com texto de realização inteiramente pessoal, com imagens obtidas em: russbrown.com; spinalistips.se